terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Necessidade

Como é possível que o que quero seja, antes, o que queres? Tu me queres para ti muito antes de eu querer-te para mim ou querer me dar a ti. Minha vontade é só reflexo de teu plano, de teu desejo que me atrai sempre mais intensamente. Oh, admirável amor, tu me amas e eu, pecador, tantas vezes te odiei e te desprezei, mas tu sempre me amas e me queres. Por isso te desejo e quero ser inteiro para ti e nada mais. Oh, mistério que ultrapassa todo desejo natural, tu me cativas sempre que te experimento, sempre que a tua misericórdia abraça meu desmerecimento, sempre que te vejo no altar empobrecido, imolado por meu amor. Tu, amor, és infinito, imprevisível e assim tu me alcançaste, com tuas surpresas me cercaste e minhas certezas e meus planos transformaste, revolveste a minha história e nada mais parecia ser como me lembrava. Tua luz misteriosa revelou-me tudo e contou-me a minha história vista por teus olhos e pareceu-me não ser minha, tu a transfiguraste! O que descobri se tornou para mim necessidade, teu chamado agora iluminado por todos os sinais que outrora não reconheci, sinais passados transformados agora em profecia, interpretados à luz da nova história que agora começaste: minha vida consagrada totalmente ao teu amor! Era teu plano desde o início e eu não sabia, mas agora percebi que em tudo que escolhi a tua graça me amparava e fui trazido até aqui até ver se encontrarem dois caminhos que na verdade são um só, o teu, que no passado eu, desfigurado, percorri sem perceber. Descobri que a minha liberdade já estava em teu desígnio, teu mistério de amor que nunca saberei explicar, minha vocação que não posso justificar senão pela certeza inefável que dentro de mim parece eterna, sem fim e sem começo: é uma necessidade!

sábado, 27 de abril de 2019

Teu coração

Tu vens ao meu coração
e queres ficar, não olhas
minha indigência, queres
tocar-me, vens até mim
e me abraças, me amas
sem que eu mereça, tu
não te deixas vencer,
és maior que a fraqueza,
maior que a pobreza,
maior que a maldade
Tu, grande, eu, pequeno,
tu, Senhor, eu, indigente,
te fazes meu hóspede,
te fazes pequeno, entras
em mim, comunhão,
gratidão, para que tu
cresças em mim e eu
diminua, para que tu
sejas em mim conhecido
e amado, adorado, servido,
eu, pobre vaso de barro
sou, num instante, silêncio,
sacrário de Teu coração

sexta-feira, 19 de abril de 2019

Meu Deus

Teu amor como uma flecha
me traspassa, sede insaciável
de beber de tuas águas,
chama de amor incandescente,
luminosa, suave e impetuosa
que arde em minha alma
e a consome sem a destruir,
és meu desejo irrefreável,
secreto impulso de amor
que me leva ao sacrifício,
mão amorosa, irresistível
que me vence, que destrói
a inimizade que eu nutria
contra ti, secreta chama
que desde minhas entranhas
se alastra e me transforma
neste amor que me consome
sem me destruir, holocausto
oferecido por ti mesmo
em minha alma de amores
inflamada, por ti vestida
de tua formosura, amor
feito pequeno para viver
dentro de mim e vigário
de mim naquela cruz,
Deus que me salvou
que me venceu
que me amou
e se fez meu

segunda-feira, 25 de março de 2019

Tua Graça

Certa vez ouvi de um padre que a vida no Seminário é um “tempo de anonimato para aprender a ser nada”, um nada que deve ser transparência de Cristo, mas, a cada passo que damos, mais somos conhecidos e, paradoxalmente, quanto mais aparecemos, mais devemos desaparecer, porque, no seguimento de Cristo, crescer é diminuir, subir é descer, viver é morrer, como Ele chamou Sua glorificação à sua exaltação na Cruz. A vida sacerdotal é assim, coloca-nos à frente de muitos para tornar-nos os últimos, nos desapropria, nos desaloja e, apenas nos aproximamos, embora ainda a certa distância, já pressentimos o fardo suave desse doce mistério. Essa graça é ainda para nós esperança, prece e sacrifício e, por ser esperança, antecipa-se em alguma medida já agora o que esperamos será um dia exigido de nós em virtude da ordenação. Tocamos, já agora, os paradoxos da existência sacerdotal, devemos aparecer para desaparecer, crescer para diminuir a fim de que Cristo só apareça em nós.

Tu, amor, em mim concebes
esse estranho desejo de morrer,
de dar a vida e não mais me pertencer,
tornado prece, esperança e sacrifício,
esse desejo que me faz desfalecer
ao ouvir o que me dizes em segredo
e atraído até os pés de tua cruz
quedar rendido sem conseguir fitar a luz
de teu amor que me fere e que me cura
querendo refletir em mim tua formosura
levando em minhas mãos o teu mistério,
minha esperança, prece e sacrifício,
eis minha vida já aqui oferecida
para que faças de mim o que quiseres,
mas nada posso se não ajuda a tua graça,
isto peço, para até o fim não te trair,
a tua graça, e nada mais